A solidão caracteriza bem este final de século. Quer queiramos quer não, repartimos o nosso dia entre o trabalho e casa, casa e trabalho e neste percurso encaixamos um sem número de tarefas inadiáveis e vitais mas continuamos sós. Pensem «Sós», quanto tempo por dia podemos considerar que passamos numa conversa enriquecedora, numa partilha saudável de opiniões, ou num daqueles já raros momentos de comunhão em que respiramos felicidade e harmonia?. Cheguei à conclusão que são os meus colegas de trabalho quem mais sabe das minhas vitórias e derrotas diárias, das minhas variações de humor do que a minha própria gente, Passo com eles 5 a 7 horas diárias. São eles que me aturam a rir alto, são eles que me ouvem, me consolam, me estimulam me congratulam ou me espicaçam. E no final do dia, somos absolutamente estranhos, não sei nada da vida deles, nada sabem da minha e sós, recolhemos cada qual ao seu casulo onde, mães ou pais, homens ou mulheres, somos outros já indiferentes à  azáfama do dia de trabalho e aos compromissos que se fecharam com a porta do emprego.

Depois, ficamos ainda mais sós. Homens e mulheres desencontrados, perdidos, á toa, casados, viúvos, divorciados, solteiros... Dei comigo a pensar se fará sentido a convicção de um amigo meu « experimentar a felicidade aos quadradinhos, é uma boa receita para fugir ao mal do século.» Aos quadradinhos,  consegue-se uma soma de pequenas fracções de felicidade e um combate eficaz à solidão. Hoje, é tão comum chegar a casa e não ter ninguém que nos salte para os braços ou nos estenda uma taça de cerejas geladinhas!. Hoje é tão comum sairmos à rua à procura sei lá de quê: palavras ou gestos fortuitos que nos dêem algum consolo; hoje é tão comum fingirmos ou sermos hipócritas e estrangulados pela rotina, exclamarmos com um riso esfíngico e o olhar baço »estou óptima, o meu marido é um querido», ou então displicentes, como se sacudíssemos a solidão para trás das costas num gesto de desprezo mascarado:«sozinha é que estou bem», tudo truques para disfarçarmos até para nós mesmos o pavor da solidão. Como eu percebo o que ia na alma de Cesbrom quando escrevia: « É-nos possível viver sozinhos desde que seja à espera de alguém»!

Porque é que não reconhecemos que de facto é triste não esperarmos ninguém e acordarmos sózinhos ao sábado de manhã ? Não termos um aconchego para o espiríto, nem ninguém realmente especial para telefonarmos?. Porque é que continuamos a ser seduzidos por jogos banais de pura medição de forças, para conseguirmos que os objectos desejados se espojem  a noissos pés e nos roguem uma nesga de amor? Pavoroso! Dêem as voltas ao texto que quiserem: quatro olhos continuam a ver mais que dois, e a dois tudo sabe melhor; as ameijoas depois da praia, o banho ao fim do dia, aquela cumplicidade criada por laços de convivência que, com uma simples troca de olhares, nos situa no mesmo comprimento de onda. Assumir a solidão não é um drama, faz parte do percurso da vida. Não é uma vergonha dizê-lo. Senti-lo. Encarar o facto. Vergonha é querermos que os outros pensem que a nossa vida é em pleno, quando, se calhar, mais valia assumirmos de uma vez por todas a teoria dos quadradinhos. Infalível há que reconhecê-lo! Basta assumir que há quadradinhos cheios e outros vazios. Tão vazios que até assustam!

 

 

De " Palavra de Mulher" um livro delicioso e inteligente!

publicado por Subjectividades às 14:35